Especial Moisés Rabinovici/DCarro
O Audi TTS aprendeu a se dirigir sozinho na Universidade de Stanford, na Califórnia, EUA. Formou-se no final de 2010. Tão atraente e tão rápido-luxuoso-elegante-esperto-gostoso-ágil-superesportivo, tudo o que poderia desejar um carrófilo − mas, porém, no entanto, entrementes… autônomo! E agora, somos todos dispensáveis, motoristas.
Fiquei com um TTS por cinco dias. Cor abó-bo-ra, como se em branco ou preto já não fosse bastante CHEGUEI! Provou-se um anseio ambulante: “Com esse carro conquisto qualquer mulher”, apostou um sultão à la Berlusconi nacional. “Posso dar uma voltinha?”, pediram amigos e até desconhecidos só por pedir, que ninguém empresta R$ 299 mil sobre rodas. Motoristas Sem-Audi (MSA) fotografaram-se com o carro ao fundo, alguns até como se tivessem a chave de uma de suas duas portas, a das fantasias.
Os buracos de chuva socam a suspensão; o trânsito empaca; olhares à noite intimidam: o TTS 2.0 turbo Roadstar, que vai a 100 km/h em 5,2 segundos, é um anticlímax em São Paulo. A primeira vez que saí com ele, faltando alguns poucos minutos para a meia-noite, pensei que aquela exuberante carruagem abóbora ia virar um fusquinha − aliás, tudo a ver: a Audi pertence ao grupo Volkswagen.
Não sou expert em carros, menos ainda em bólidos e jamais me relacionei com algum deles acadêmico, doutorado pelo Center for Automative Research, com uma tese que uniu o Dynamic Design Laboratory da Stanford University, o Eletronics Research Lab (ERL), da VW, e a Oracle Corp., produtora de soft e hardware de negócios mundial: pode um carro ser autônomo e guiar-se a si próprio? Ora, claro que pode! (Por isso acho que o meu Abóbora teria mais condições de falar como dirijo do que, ao contrário, eu do dirigido).
O Dr. Audi TTS Roadstar subiu cinco vezes os 20 km com 156 curvas da Pikes Peak International Hill Climb, em Colorado Springs, nos EUA. A 75,6 km/h, completou a escalada em 27 minutos. O recorde, em carro com piloto, é de 10 minutos, e a média, 17 minutos. Pelo mesmo trajeto já tinham deixado lembranças os ases da F-1 e Indy 500 Mario Andretti e Al Unser. Uma façanha. Houvesse pódio, um fantasma espocaria o champanha.
http://vimeo.com/7688516 (TTS escalando o Pikes Peak)
http://vimeo.com/7688270 (TTS em Stanford)
Nesta estrada que leva ao TTS autônomo chegou o momento de dar uma ré, estacionar e abastecer com explicações os carrófilos inconformados com a ousadia de tirá-los do volante. Nada contra eles, diga-se de primeira. Há uma justificativa estatística. A Organização Mundial da Saúde prevê que em 2020 o trânsito será o terceiro colocado na F-Morte Mundial. E que 73% dos que cruzarem a reta final serão camicases, imprudentes, celerados ou vítimas. Nos Estados Unidos a mortandade sobre rodas está a 40 mil pessoas/ano.
“Não queremos acabar com a alegria e o prazer de dirigir, mas diminuir o número de acidentes” − explica Burkhard Huhnke, diretor executivo do Laboratório de Pesquisas Eletrônicas da VW, em Palo Alto, na Califórnia. “E já que achamos que devemos contribuir fomos pedir ajuda aos gênios de Stanford”. Os engarrafamentos estão com os anos contados. A geração que sairá das montadoras em 2028 saberá trocar informações. Imagine uma Ferrari dizendo para um Audi, num cruzamento: “Evite a avenida Ipiranga por causa da enchente”. Sim, no tempo em que os carros falarem, São Paulo ainda se afogará em dilúvios instantâneos. De uma Kombi para o Lamborghini: “Você sabe se tem um posto por perto para me encher de gasolina?”
Aos carros restarão os momentos piores, mas a seus chefes, os melhores. “Vá encontrar uma vaga na rua… e na sombra!”, ordenará o motorista batendo a porta. Fantasia não: os gênios de Stanford já ensinaram um Passat a diesel a estacionar. O gênio-chefe Chris Gerdes, professor de engenharia mecânica, acredita que seus alunos de quatro rodas entraram numa fase em que podem tomar decisões por conta própria, alimentados com “o mesmo conhecimento que comanda os pilotos de corrida a acelerar ou brecar em diferentes partes de um circuito de provas”.
O universitário TTS, todo branco, foi batizado de Shelley − em homenagem a Michèle Mouton, piloto de rally da Audi e primeira mulher a vencer no circuito de Pikes Peaks. É a última criação do professor Gerdes. Ele ganhou giroscópio, acelerômetro e GPS capaz de “ver” a partir de 1,5 centímetro de distância. No porta-malas vão dois computadores programados com Java Real-Time e Solaris, da Oracle. São um outro motor, o cérebro do carro, o processador de algoritmos que digere 500 informações a cada segundo. Daqui partem instruções para o carro rodar bem comportado numa estrada e explorar seus próprios limites, levando em conta variações na superfície e no entorno.
“Tudo é muito simples”, garantem os gênios de Stanford.
Mas aquele volante girando sozinho na Shelley dá uma sensação de desperdício. Um carrófilo o agarraria com prazer, agradecido. Mas nada a ver: a função do motorista mudou, na visão stanfordiana. Que ele fique no seu banco confortável, teclando uma mensagem no celular, ou navegando com tablete pela web, falando com a família no banco de trás (aí não mais a bordo de um TTS, só dois lugares), ou vendo o Corinthians pela TV. Fim da proibição de beber e dirigir, porque o piloto sumiu. Mas o robô-carro poderá tomar quanto álcool quiser, desde que seja flex.
Conheci o Abóbora e a Shelley ao mesmo tempo. O que tive que devolver à Audi, lamentavelmente, pertence a Era dos Motoristas, mas já combina analógico e digital. Por mais que tenha ordenado “Estacione!”, não me obedeceu. E quando me dei ao burocrático esforço de estacionar, ele me ajudou com seus sensores. A Era do Carro-robô (para não confundir com “roubou-carro”, jamais em extinção) promete lá os seus percalços. Um internauta postou no site dos gênios de Stanford: “E se uma família a bordo de um auto dirigível for sequestrada por um carro hacker?”. Outro lembrou a mensagem de voz digitalizada a bordo do avião sem piloto que acabou de decolar: “Relaxem, passageiros. Nada pode dar errado… dar errado… dar errado…”